06 fevereiro, 2009

Ele e Ela

Numa noite americana, como todas as outras noites, a lua brilhava de uma forma tão exageradamente incandescente. Ele e Ela encontravam-se mais uma vez, para se libertarem da monotonia do seu dia-a-dia aborrecido.
Eram o segredo um do outro. O vazio e a agitação um do outro. A alma um do outro.
Dizem olá como se não se conhecessem, olham timidamente. Caminham por aquelas ruelas mal iluminadas com os seus candeeiros meio rústicos que dão um tom avermelhado ao ambiente. Caminham para um esconderijo novo. Há sempre algo diferente. Algo para descobrirem um com o outro. Conversam sarcasticamente sobre a sua vida agitada, que consideram rotineira. Quando as luzes acabam, eles dão as mãos. Gostam de ser estranhos um para o outro. Gostam do constrangimento que sentem quando se tocam. Gostam dos arrepios que correm pelos seus corpos.
Entram num prédio há muito abandonado. Vê-se as paredes frágeis. Seminuas. As paredes brancas puras. As paredes com posters cheios de pó, de uma banda que Ela acha reles. Vê-se paredes pretas do fogo. Ao subir as escadas Ela vê um peluche rosa escuro, por causa do pó, em forma de coração. Agarra nele e dá-lhe. Já que esta noite era uma prenda dele, Ela também queria lhe dar algo. Ele sorri. Aceita, apesar de não querer aceitar. Não se quer apegar a Ela. Não quer chegar a casa de manha e ter saudades dela. Mas aceita.
Sobem ao terraço. Primeiro Ela observa a vista. Adora Luzes. Adora Sonhar. Não lhe interessa mais nada. Só os pontos de todas as cores que ela vê no preto da noite. Fecha os olhos, abre os braços, rodopia. As luzes rodopiam com ela, a lua beija-a com os seus raios. Ela voa com as estrelas. Ela sente o cheiro dele e pára. Abraça-o e beija-o. Ele olha-a com carinho e sente pena dela, pela sua ignorância, pela sua doçura, pela sua delicadeza. As surpresas dele ainda não acabaram. Ela olha para o chão e este está repleto de pétalas de rosas. Durante a semana Ela vira Ele na florista e questionara-se para quem seriam todas aquelas rosas vermelhas. O ciúme consumira-a. Agora estava explicado.
No centro do terraço estava um quarto. As paredes eram de vidro. Ele excitado por ela gostar das suas surpresas, levou-a para o quarto. O quarto estava repleto de velas, cheiros afrodisíacos. No canto havia um rádio. Ele pôs um disco. Ele era tão romântico. Havia champanhe que Ele ofereceu e Ela aceitou. Beberam como recém-casados. Dançaram como apaixonados. Beijaram-se como se cada beijo fosse um último suspiro. Agarraram-se como se se fossem perder. Deitaram-se na cama. Ele tocou-lhe como só ele sabia tocar. Ela sorria, contente. Adorava sentir o corpo pesado dele por cima dela. Sentia-se segura e protegida só com o cheiro dele. Ela olhava o tecto de vidro, conseguia ver as estrelas através deste. A lua cheia que brilhava de uma forma tão exageradamente incandescente. A noite nunca a tinha presenteado tanto como naquela noite.
A temperatura do corpo dele subira. Começou a despi-la. Ele era mais do que apaixonado pelas formas do corpo dela. Ele amava-a como nunca amara nenhuma forma de vida antes.
Nessa noite, ela também o amara. E amaram-se noite fora. Deslumbravam-se um com o outro. Completaram o vazio um do outro, a agitação um do outro. A alma deles era uma só.
Às tantas da manhã estão os dois bem acordados, abraçados um ao outro. A rirem-se, a conversarem. Ele lembra-se algo. Oferece-lhe um pouco de champanhe de uma outra garrafa que ele acabara de abrir, apesar de a outro ainda estar meio cheia. Ela sorri e bebe.
Ela tem sono. Subitamente, sente que o cansaço finalmente a atingiu. Adormece em menos de nada. O céu deixa de brilhar, as nuvens esconde a lua, agora. Ele chora. Ele sufoca com a sua própria tristeza. Agarra uma faca escondida debaixo da cama e começa a esfaquear o amor de sua vida, por entre baba e ranho. Lembra-se de tudo o que já passaram juntos e com uma última facada: diz adeus.
Levanta-se, veste-se. Desliga a doce sinfonia Então os violinos cessam. Ele procura a lua agora escondida pelas nuvens carregadas. Começa a chover.
****
Dois dias depois a chuva continua. Ele deita-se na sua cama de casal. A sua mulher faz-lhe festas no cabelo. Ele não quer saber. Adormece rapidamente. A mulher dele observa-o atentamente. Como pode ele dormir tão pacificamente escondendo um segredo? Hoje ela descobrira que ele andava com outra. Ela deve ser mais bonita, mais nova, mais energética, e paciente. Deve estar em boa forma. Deste que se casou com ele que ela já não é assim.
Ela tem no armário uma toalha de praia com o cheiro dela, a conta de imensas rosas que devem ter sido para a outra, e uma almofada cor de rosas que deve ter sido uma prenda da outra. Pois é da outra que ele gosta. Ela pega na almofada e calmamente pressiona-lhe na face. Ele sufoca. O ar foge-lhe. Ele não quer saber. Ela não consegue viver com a traição.

2 comentários:

Raio de Sol disse...

Isto é um texto recheado de sensações.
É a beleza dos momentos que descreves, é o ficar surpreendida, arrepiada e assustada com o final da noite deles, e no fim.. uma especie de vingança.
Adorei. Transmitiu imensas coisas e isso é óptimo!

Anónimo disse...

Brilhante. Adorei :)

Se estás de volta, parabéns*