«
Rio-me. Choro. Fico um pouco histérica. Acalmo-me. Esqueço tudo o que alguma vez aconteceu. Penso em tudo aquilo que já aconteceu vezes sem conta. Observo-me ao espelho. Aprecio-me ao espelho. Apetece-me partir o espelho. Dispo a roupa e começo a dançar. Dispo a minha roupa e atiro-a para o chão. Ponho tudo de pernas para o ar. Deixo tudo onde está para que outra pessoa arrume. Apercebo-me de que afinal de contas sou sempre eu que arrumo tudo. Canto muito bem. Canto mal. Como coisas que não devia comer. Dobro-me e observo os meus músculos. Deixo de me dobrar e reparo nas minhas cicatrizes. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse loura. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse ruiva. Gostaria de saber como é que ficaria se fosse velha. Pinto-me como nunca o faria se fosse para a rua. Experimento roupas que nunca usaria em público. Olho para os meus seios. Imagino-os maiores. Mais pequenos, mais arredondados, mais firmes, menos firmes, mais bonitos, mais feios. Aceito os meus seios tal como são. Escondo-me. Respondo às pessoas e ganho. Tenho fantasias em que a estrela sou eu. Estico a pele da minha cara e imagino-a sem rugas. Pergunto-me se deveria fazer uma operação plástica. Esqueço a operação plástica e penso em algo muito mais barato. Grito comigo própria. Perdoo-me. Ensaio aquilo que irei dizer amanhã. Aumento o volume do rádio para não ouvir nada. Abro a torneira da água para não ouvir o rádio. Perco-me. Imagino-me numa ilha deserta. Imagino-me numa ilha deserta, mas com outras pessoas muito atraentes. Rezo. Procuro os meus defeitos. Aceito esses defeitos e procuro outros. Faço caretas ao espelho. Vejo como é que fico com ar de sedutora, de amuada, de zangada, de surpreendida, de chocada, de impressionada, absorta. Tiro a minha aliança. Olho para mim nua. Olho para mim e gosto do que vejo.
Dosha.»
([Anúncio da Dosha], Cosmopolitan, Setembro, 1999).
Perdida em Loucuras
Would u forgive me love,if i stay all afternoon?
09 setembro, 2011
08 fevereiro, 2011
Cores
Deixa a música a tocar… começa por abanar a cabeça e a bater o pé ao ritmo daquilo que ouve. Dança com um sorriso na cara. Abana os braços no ar. Deixa sair a letra da canção por entre os seus lábios vermelhos. Lá fora chove, cá dentro, dentro dela, o sol brilha.
Ouve-se as gotas a baterem suavemente nos vidros da porta azul. Ele salta para a rua, sente a chuva na cara, na pele, a percorrer o seu corpo, sente o chão frio e molhado, mexe os dedos dos pés - a chuva faz cócegas. Ele sorri.
Põe o seu vestido mais bonito. Um pouco de batom e maquilhagem e decide ir passear.
O dia já virou noite. Caminha pela calçada escorregadia segurando-se ao seu guarda-chuva laranja. Sente-se bem, segura, forte. Esta noite consegue tudo.
Ele vê-a a chegar, o tempo começa a girar em câmara lenta, tudo o que o rodeia torna-se numa leve neblina cinzenta. A alma bate de alegria. Ajeita o cabelo encharcado, a roupa molhada e sorri. Esta noite não sabe o que quer.
Ouve-se as gotas a baterem suavemente nos vidros da porta azul. Ele salta para a rua, sente a chuva na cara, na pele, a percorrer o seu corpo, sente o chão frio e molhado, mexe os dedos dos pés - a chuva faz cócegas. Ele sorri.
Põe o seu vestido mais bonito. Um pouco de batom e maquilhagem e decide ir passear.
O dia já virou noite. Caminha pela calçada escorregadia segurando-se ao seu guarda-chuva laranja. Sente-se bem, segura, forte. Esta noite consegue tudo.
Ele vê-a a chegar, o tempo começa a girar em câmara lenta, tudo o que o rodeia torna-se numa leve neblina cinzenta. A alma bate de alegria. Ajeita o cabelo encharcado, a roupa molhada e sorri. Esta noite não sabe o que quer.
24 outubro, 2010
Podes descer.
Estive, há 10 minutos atrás, na varanda do meu 5º andar, a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela, perdido na imensa cidade negra a que damos o nome do universo. Curiosamente parece que é o único sítio que temos para passar a longa noite que nos espera. E é ai que eu saio para apanhar a frequência, como que a comer um ponto e a cagar um verso. No meu prisma a encaixar, provavelmente no dos outros feitos um filósofo de merda. Mas, a vida é isso mesmo, um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu, por isso nos pedem que caminhemos alegres para o precipício sem questionar. Porque estaremos sempre longe, longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo mas eu sei que me entendes. Tu também tens medo de morrer, toda a gente tem. Só que normalmente evocamos nomes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante quando não tem importância nenhuma. Entretanto, o tapete rola, e nós irritamos-nos com a inevitabilidade e nos nossos sonhos dizemos: “ torna-me imortal, torna-me imortal, eu não vou aguentar deixar de existir”.
E é ai que eu entro, para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos. Tu não vês como empreendo e como eu, mais um milhão de sonhadores, leva com ele muitos braços de outros acéfalos na lotaria dos ideais descrentes, beijando o número do bilhete. Mas, quero dizer-te que a viagem é tua e eu não quero empurrar-te á força para a rua. Se eu falhar, eu vou passar de Deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira mas, a verdade, é que ganhamos sempre.
Manel Cruz (Foge Foge Bandido)
E é ai que eu entro, para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos. Tu não vês como empreendo e como eu, mais um milhão de sonhadores, leva com ele muitos braços de outros acéfalos na lotaria dos ideais descrentes, beijando o número do bilhete. Mas, quero dizer-te que a viagem é tua e eu não quero empurrar-te á força para a rua. Se eu falhar, eu vou passar de Deus a carrasco, embalsamado e metido dentro de um frasco, para te lembrares da mentira mas, a verdade, é que ganhamos sempre.
Manel Cruz (Foge Foge Bandido)
16 janeiro, 2010
Não me Consumas
Não me consumas
Não me consumas
Não me consumas mais
Não me consumas mais
Pára de me consumir
Que tu abusas
Que tu abusas
Sempre cada vez mais
Não é fácil digerir
Pára de me consumir
Porque já estou farto
De ser o olfacto
Da tua laca e desse spray
Que é de uma marca que eu cá não sei
Ah, esses teus sais
Eu já não aguento mais
Estou enjoado do teu perfume
Esse extraído de um raro estrume
E com esse bac-stick
Não há nariz que não fique
Saturado de cheirar
Pára é de me gastar
Não me consumas
Não me consumas
Não me consumas mais
Não me consumas mais
Pára de me consumir
Que tu abusas
Que tu abusas
Sempre cada vez mais (2x)
Não é fácil digerir
Pára de me consumir
Não sou coisa nova
Para a tua moda
Não sou a trança do teu penteado
Nem o cabide do teu novo fato
Sempre gostaste de ser
A cópia do geral parecer
Não sou o espelho da tua vaidade
Nem a pastilha do teu à vontade
Não, comigo não
Não sou canal de televisão
Creme de noite, creme de dia
Um que endurece, outro que amacia
Tratas muito da fachada
Por dentro não tratas nada
Não me consumas
Não me consumas
António Variações
26 agosto, 2009
O meu poema inacabado:
A noite ergue-se mais uma vez,
As estrelas brilham lá longe.
Escondidas, vadias, na sua timidez,
Apoderam-se de sonhos meus,
Influenciados por nada mais
Que genuínos atributos teus.
Aqueles de mentiras e enganos
E outros ainda de pensamentos profanos.
Não sinto dor, não sinto muito meu amor.
A noite ergue-se mais uma vez,
As estrelas brilham lá longe.
Escondidas, vadias, na sua timidez,
Apoderam-se de sonhos meus,
Influenciados por nada mais
Que genuínos atributos teus.
Aqueles de mentiras e enganos
E outros ainda de pensamentos profanos.
Não sinto dor, não sinto muito meu amor.
09 abril, 2009
Arte
Não sou pintora mas gosto de juntar cores e fazer algo que fica sempre um pouco abstracto(como as paredes da minha varanda).
Não sou fotografa mas gosto de andar com a maq. preparada.
Não sou musica, mas gosto de cantar, por mais desafinado que seja, tomar atenção ás letras e fingir que percebo aquelas conversas sobre dós menores e tempos e compassos.
Não sou actriz mas por vezes dou por mim a imitar sotaques estranhos que ninguém percebe de onde vêm.
Não sou escritora mas finjo que sei escrever!!E é mesmo o que eu mais gostava de ser!
04 março, 2009
Escape
O frio toca-lhe na pele suavemente. Faz uma carícia meio estranha, acalma e arrepia. A noite está estrelada, a praia silenciosa, a areia húmida.
Ela precisava de respirar. Sentia-se presa no seu covil, a que um dia, sem se aperceber começou a chamar de casa. Mas só casa, nunca tivera nada a que chamar lar. Pegou no carro e com solavancos barulhentos dirigiu-se á praia. Pensava que assim se iria sentir mais livre, deitou-se na areia, e ficou a olhar para o céu, entretanto reparou na lua mordida, amarela, brilhante como um candeeiro, iluminava a área toda, disfarçava a noite. A lua por vezes fazia isso. Vanda respirou fundo, absorveu o cheiro salgado, arrepiou-se outra vez, era do frio… Mesmo assim não se sentia livre, o problema não era do cheiro a fechado e a tabaco de casa, não era dos objectos, e revistas e aparelhos electrónicos e fichas espalhados por todo o lado, não era das luzes, nem dos sons da vida moderna que a incomodavam! Ela nem sabia o que era, pôs se ali ao relento a ponderar o assunto. Acendeu um cigarro, o maço estava quase no fim, “não faz mal”, pensa ela, “assim a carteira fica mais leve, é mais um peso de que eu me posso soltar”. Esse tipo de coisas também a prendia: dinheiro, posses, horários, prazos, deveres e obrigações. Que coisa mais chata!
Se ao menos pudesses ficar ali na praia… “talvez até morreria de hipotermia, nunca se sabe!” Mas com tanta coisa a prende-la ali, o mais provável é que isso não aconteceria.
Aqueles dias chatos em não sai nada.
Ela precisava de respirar. Sentia-se presa no seu covil, a que um dia, sem se aperceber começou a chamar de casa. Mas só casa, nunca tivera nada a que chamar lar. Pegou no carro e com solavancos barulhentos dirigiu-se á praia. Pensava que assim se iria sentir mais livre, deitou-se na areia, e ficou a olhar para o céu, entretanto reparou na lua mordida, amarela, brilhante como um candeeiro, iluminava a área toda, disfarçava a noite. A lua por vezes fazia isso. Vanda respirou fundo, absorveu o cheiro salgado, arrepiou-se outra vez, era do frio… Mesmo assim não se sentia livre, o problema não era do cheiro a fechado e a tabaco de casa, não era dos objectos, e revistas e aparelhos electrónicos e fichas espalhados por todo o lado, não era das luzes, nem dos sons da vida moderna que a incomodavam! Ela nem sabia o que era, pôs se ali ao relento a ponderar o assunto. Acendeu um cigarro, o maço estava quase no fim, “não faz mal”, pensa ela, “assim a carteira fica mais leve, é mais um peso de que eu me posso soltar”. Esse tipo de coisas também a prendia: dinheiro, posses, horários, prazos, deveres e obrigações. Que coisa mais chata!
Se ao menos pudesses ficar ali na praia… “talvez até morreria de hipotermia, nunca se sabe!” Mas com tanta coisa a prende-la ali, o mais provável é que isso não aconteceria.
Aqueles dias chatos em não sai nada.
06 fevereiro, 2009
Ele e Ela
Numa noite americana, como todas as outras noites, a lua brilhava de uma forma tão exageradamente incandescente. Ele e Ela encontravam-se mais uma vez, para se libertarem da monotonia do seu dia-a-dia aborrecido.
Eram o segredo um do outro. O vazio e a agitação um do outro. A alma um do outro.
Dizem olá como se não se conhecessem, olham timidamente. Caminham por aquelas ruelas mal iluminadas com os seus candeeiros meio rústicos que dão um tom avermelhado ao ambiente. Caminham para um esconderijo novo. Há sempre algo diferente. Algo para descobrirem um com o outro. Conversam sarcasticamente sobre a sua vida agitada, que consideram rotineira. Quando as luzes acabam, eles dão as mãos. Gostam de ser estranhos um para o outro. Gostam do constrangimento que sentem quando se tocam. Gostam dos arrepios que correm pelos seus corpos.
Entram num prédio há muito abandonado. Vê-se as paredes frágeis. Seminuas. As paredes brancas puras. As paredes com posters cheios de pó, de uma banda que Ela acha reles. Vê-se paredes pretas do fogo. Ao subir as escadas Ela vê um peluche rosa escuro, por causa do pó, em forma de coração. Agarra nele e dá-lhe. Já que esta noite era uma prenda dele, Ela também queria lhe dar algo. Ele sorri. Aceita, apesar de não querer aceitar. Não se quer apegar a Ela. Não quer chegar a casa de manha e ter saudades dela. Mas aceita.
Sobem ao terraço. Primeiro Ela observa a vista. Adora Luzes. Adora Sonhar. Não lhe interessa mais nada. Só os pontos de todas as cores que ela vê no preto da noite. Fecha os olhos, abre os braços, rodopia. As luzes rodopiam com ela, a lua beija-a com os seus raios. Ela voa com as estrelas. Ela sente o cheiro dele e pára. Abraça-o e beija-o. Ele olha-a com carinho e sente pena dela, pela sua ignorância, pela sua doçura, pela sua delicadeza. As surpresas dele ainda não acabaram. Ela olha para o chão e este está repleto de pétalas de rosas. Durante a semana Ela vira Ele na florista e questionara-se para quem seriam todas aquelas rosas vermelhas. O ciúme consumira-a. Agora estava explicado.
No centro do terraço estava um quarto. As paredes eram de vidro. Ele excitado por ela gostar das suas surpresas, levou-a para o quarto. O quarto estava repleto de velas, cheiros afrodisíacos. No canto havia um rádio. Ele pôs um disco. Ele era tão romântico. Havia champanhe que Ele ofereceu e Ela aceitou. Beberam como recém-casados. Dançaram como apaixonados. Beijaram-se como se cada beijo fosse um último suspiro. Agarraram-se como se se fossem perder. Deitaram-se na cama. Ele tocou-lhe como só ele sabia tocar. Ela sorria, contente. Adorava sentir o corpo pesado dele por cima dela. Sentia-se segura e protegida só com o cheiro dele. Ela olhava o tecto de vidro, conseguia ver as estrelas através deste. A lua cheia que brilhava de uma forma tão exageradamente incandescente. A noite nunca a tinha presenteado tanto como naquela noite.
A temperatura do corpo dele subira. Começou a despi-la. Ele era mais do que apaixonado pelas formas do corpo dela. Ele amava-a como nunca amara nenhuma forma de vida antes.
Nessa noite, ela também o amara. E amaram-se noite fora. Deslumbravam-se um com o outro. Completaram o vazio um do outro, a agitação um do outro. A alma deles era uma só.
Às tantas da manhã estão os dois bem acordados, abraçados um ao outro. A rirem-se, a conversarem. Ele lembra-se algo. Oferece-lhe um pouco de champanhe de uma outra garrafa que ele acabara de abrir, apesar de a outro ainda estar meio cheia. Ela sorri e bebe.
Ela tem sono. Subitamente, sente que o cansaço finalmente a atingiu. Adormece em menos de nada. O céu deixa de brilhar, as nuvens esconde a lua, agora. Ele chora. Ele sufoca com a sua própria tristeza. Agarra uma faca escondida debaixo da cama e começa a esfaquear o amor de sua vida, por entre baba e ranho. Lembra-se de tudo o que já passaram juntos e com uma última facada: diz adeus.
Levanta-se, veste-se. Desliga a doce sinfonia Então os violinos cessam. Ele procura a lua agora escondida pelas nuvens carregadas. Começa a chover.
****
Dois dias depois a chuva continua. Ele deita-se na sua cama de casal. A sua mulher faz-lhe festas no cabelo. Ele não quer saber. Adormece rapidamente. A mulher dele observa-o atentamente. Como pode ele dormir tão pacificamente escondendo um segredo? Hoje ela descobrira que ele andava com outra. Ela deve ser mais bonita, mais nova, mais energética, e paciente. Deve estar em boa forma. Deste que se casou com ele que ela já não é assim.
Ela tem no armário uma toalha de praia com o cheiro dela, a conta de imensas rosas que devem ter sido para a outra, e uma almofada cor de rosas que deve ter sido uma prenda da outra. Pois é da outra que ele gosta. Ela pega na almofada e calmamente pressiona-lhe na face. Ele sufoca. O ar foge-lhe. Ele não quer saber. Ela não consegue viver com a traição.
Eram o segredo um do outro. O vazio e a agitação um do outro. A alma um do outro.
Dizem olá como se não se conhecessem, olham timidamente. Caminham por aquelas ruelas mal iluminadas com os seus candeeiros meio rústicos que dão um tom avermelhado ao ambiente. Caminham para um esconderijo novo. Há sempre algo diferente. Algo para descobrirem um com o outro. Conversam sarcasticamente sobre a sua vida agitada, que consideram rotineira. Quando as luzes acabam, eles dão as mãos. Gostam de ser estranhos um para o outro. Gostam do constrangimento que sentem quando se tocam. Gostam dos arrepios que correm pelos seus corpos.
Entram num prédio há muito abandonado. Vê-se as paredes frágeis. Seminuas. As paredes brancas puras. As paredes com posters cheios de pó, de uma banda que Ela acha reles. Vê-se paredes pretas do fogo. Ao subir as escadas Ela vê um peluche rosa escuro, por causa do pó, em forma de coração. Agarra nele e dá-lhe. Já que esta noite era uma prenda dele, Ela também queria lhe dar algo. Ele sorri. Aceita, apesar de não querer aceitar. Não se quer apegar a Ela. Não quer chegar a casa de manha e ter saudades dela. Mas aceita.
Sobem ao terraço. Primeiro Ela observa a vista. Adora Luzes. Adora Sonhar. Não lhe interessa mais nada. Só os pontos de todas as cores que ela vê no preto da noite. Fecha os olhos, abre os braços, rodopia. As luzes rodopiam com ela, a lua beija-a com os seus raios. Ela voa com as estrelas. Ela sente o cheiro dele e pára. Abraça-o e beija-o. Ele olha-a com carinho e sente pena dela, pela sua ignorância, pela sua doçura, pela sua delicadeza. As surpresas dele ainda não acabaram. Ela olha para o chão e este está repleto de pétalas de rosas. Durante a semana Ela vira Ele na florista e questionara-se para quem seriam todas aquelas rosas vermelhas. O ciúme consumira-a. Agora estava explicado.
No centro do terraço estava um quarto. As paredes eram de vidro. Ele excitado por ela gostar das suas surpresas, levou-a para o quarto. O quarto estava repleto de velas, cheiros afrodisíacos. No canto havia um rádio. Ele pôs um disco. Ele era tão romântico. Havia champanhe que Ele ofereceu e Ela aceitou. Beberam como recém-casados. Dançaram como apaixonados. Beijaram-se como se cada beijo fosse um último suspiro. Agarraram-se como se se fossem perder. Deitaram-se na cama. Ele tocou-lhe como só ele sabia tocar. Ela sorria, contente. Adorava sentir o corpo pesado dele por cima dela. Sentia-se segura e protegida só com o cheiro dele. Ela olhava o tecto de vidro, conseguia ver as estrelas através deste. A lua cheia que brilhava de uma forma tão exageradamente incandescente. A noite nunca a tinha presenteado tanto como naquela noite.
A temperatura do corpo dele subira. Começou a despi-la. Ele era mais do que apaixonado pelas formas do corpo dela. Ele amava-a como nunca amara nenhuma forma de vida antes.
Nessa noite, ela também o amara. E amaram-se noite fora. Deslumbravam-se um com o outro. Completaram o vazio um do outro, a agitação um do outro. A alma deles era uma só.
Às tantas da manhã estão os dois bem acordados, abraçados um ao outro. A rirem-se, a conversarem. Ele lembra-se algo. Oferece-lhe um pouco de champanhe de uma outra garrafa que ele acabara de abrir, apesar de a outro ainda estar meio cheia. Ela sorri e bebe.
Ela tem sono. Subitamente, sente que o cansaço finalmente a atingiu. Adormece em menos de nada. O céu deixa de brilhar, as nuvens esconde a lua, agora. Ele chora. Ele sufoca com a sua própria tristeza. Agarra uma faca escondida debaixo da cama e começa a esfaquear o amor de sua vida, por entre baba e ranho. Lembra-se de tudo o que já passaram juntos e com uma última facada: diz adeus.
Levanta-se, veste-se. Desliga a doce sinfonia Então os violinos cessam. Ele procura a lua agora escondida pelas nuvens carregadas. Começa a chover.
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Dois dias depois a chuva continua. Ele deita-se na sua cama de casal. A sua mulher faz-lhe festas no cabelo. Ele não quer saber. Adormece rapidamente. A mulher dele observa-o atentamente. Como pode ele dormir tão pacificamente escondendo um segredo? Hoje ela descobrira que ele andava com outra. Ela deve ser mais bonita, mais nova, mais energética, e paciente. Deve estar em boa forma. Deste que se casou com ele que ela já não é assim.
Ela tem no armário uma toalha de praia com o cheiro dela, a conta de imensas rosas que devem ter sido para a outra, e uma almofada cor de rosas que deve ter sido uma prenda da outra. Pois é da outra que ele gosta. Ela pega na almofada e calmamente pressiona-lhe na face. Ele sufoca. O ar foge-lhe. Ele não quer saber. Ela não consegue viver com a traição.
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